Peter Parker entrega fotos de si mesmo para um jornal que não o valoriza. Quantos de nós vivemos assim, sem máscara, sem crédito, sem salário justo?
Todo mundo conhece o Homem-Aranha. Mas pouca gente presta atenção no Peter Parker, o estagiário, o entregador de foto, o quebra-galho, o cara que corre pra pagar o aluguel atrasado enquanto salva o mundo.
Na minha estreia aqui na coluna, eu quero olhar pra esse personagem por outro ângulo. Não o herói mascarado, mas o jovem trabalhador precarizado que tem que lidar com um chefe abusivo, J. Jonah Jameson, dono do Clarim Diário.
Um homem que personifica o velho jornalismo marrento: machista, autoritário e obcecado em fabricar vilões para vender manchete.
Jameson nunca enxerga Peter como sujeito. Ele vê um fornecedor barato de conteúdo. E isso diz muito.
A FIGURA DO EDITOR CARRASCO: FETICHE DO PODER

Jameson representa aquele chefe que muitos já conheceram, o que grita no telefone, exige além do combinado, e que enxerga a equipe como mão de obra descartável. Ele personifica um sistema que normalizou o abuso com a desculpa da “paixão pelo trabalho”. Algo como: “se você ama o que faz, aceite qualquer condição.”
A grande ironia? Peter é um dos profissionais mais dedicados. Mas seu esforço é invisível, assim como o de milhões que sustentam empresas, projetos, campanhas… e sequer têm seus nomes lembrados.
Invisibilizados, mas indispensáveis
Peter vive um paradoxo: ele sustenta a reputação do jornal com suas fotos exclusivas do Homem-Aranha, que, claro, é ele mesmo. Mas o reconhecimento não vem. Nem o salário. Nem a dignidade. Isso me lembra de tantas mulheres, pessoas trans, negras, periféricas, que fazem o trabalho pesado em empresas, eventos, ou na linha de frente do cuidado, mas que só são lembradas quando algo dá errado.
Quando dá certo, a glória vai pro “editor”, pro “dono”, pro “CEO”. Assim como no Clarim, onde Jameson assina o editorial e Peter continua anônimo.
Por que ainda romantizamos isso?
Quantos de nós já romantizamos essa lógica? “Ah, todo profissional de comunicação passa por isso.” “É assim que se aprende.” Mas não, não é. Estamos há anos normalizando um ciclo de exploração. A ideia de que só quem grita e humilha merece ser líder. A cultura do chefe tirano virou quase um selo de autenticidade em algumas áreas. E a gente precisa romper com isso.
A figura de Peter é, antes de tudo, um símbolo de como a juventude, a paixão e o talento são usados como desculpa pra explorar ao máximo e valorizar ao mínimo.

A maior ironia disso tudo? Sem Peter, não haveria Clarim. Sem as fotos dele, as manchetes do jornal não teriam impacto. Ele é essencial e, ao mesmo tempo, invisível. Essa é a dinâmica que a gente precisa denunciar, principalmente no mês da imprensa: o quanto de trabalho essencial é feito por mãos que ninguém reconhece? Quantos jornalistas, assessores, designers, revisores, fotógrafos e estagiários fazem o trabalho sujo enquanto os grandes nomes assinam a matéria?
E mais: quantas mulheres, pessoas negras, pessoas trans e profissionais periféricos são mantidos longe dos holofotes, mesmo sendo os mais competentes no que fazem? O jornalismo o setor de comunicação em geral se orgulha de ser a “voz dos que não têm voz”, mas será que tem ouvido a própria equipe?

Então, se junho é mês da imprensa, vamos aproveitar pra olhar com mais atenção pra quem move essa engrenagem. O trabalho na comunicação não se resume ao jornalista de capa, é também quem digita release, quem cria roteiro de vídeo, quem pensa arte, quem produz evento, quem grava, edita, revisa, atende cliente e segura a bronca.
São assessoras, redatores, social medias, designers, produtoras, fotógrafas, repórteres e mil outras funções que nem sempre cabem no crachá. E mais ainda: são também aqueles e aquelas que nunca aparecem nas grandes campanhas, mas estão nas periferias, nos coletivos, nos bastidores dos movimentos sociais, fazendo uma comunicação que os grandes veículos e agências não se atrevem a fazer.

Minha coluna nasce com esse compromisso: dar espaço a quem trabalha muito e é visto de menos. Que os Peters da vida real sejam reconhecidos como o que são: profissionais gigantes, mesmo que invisibilizados pelos Jamesons da vida.
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